Páginas

quarta-feira, 27 de março de 2024

a barriguda

Todo mês era assim: a gente contava piada

e falava da menstruação 

da tpm

dos teus machos

Um dia a tua atrasou

A minha vinha sempre depois da tua

A minha sozinha, o meu cão de guarda soprou: "Tá grávida!"

e eu repeti pra ti sorrindo e você disse "Cruz credo!"

não aceitava

não desejava

não acreditava

seis 'paratudo' debaixo da pia aquela vez

você vomitando sangue e postando sobre solidão

eu acendendo vela

eu rezando por ti

eu abençoando tua casa toda vez que era convidada

o macarrão tava gostoso aquela vez

você me arrancava gostosas gaitadas

eu num processo de cura e voltar a sorrir

você de fuga e tesão constante

um dia tu não respondeu

fui lá de viatura

a guia do seu zé arrebentando do teu braço

sinais

você com saco preto na cabeça debaixo do altar no meu sonho

Amiga? Tá tudo bem?

Você fugindo do menino

O menino que insistia e lhe deixava só a pele e o osso

O menino te deixando barriguda lelé da cuca

Sumistes

Colheu ervas

Ferveu  chá

Bebeu e fumou paiero pra cair em si

pra cair o menino

pra perder mais o juízo

mentiu pra mim...

dias depois te vejo atravessar a rua deserta 

naquele feriado fúnebre

Te gritei e tu se assustou

corria de mim

corria do menino

insisti e arrepiava sem parar com a tua história

tá vivo!

Eu enterrei, mas tá vivo!

vivo e batendo forte o coraçãozinho

Amiga eu te falei

eu te avisei

tinha uma criança no barracão sorrindo

Paçoca

Pirulito

Chupeta

O êre brigando

você aceitando

você voltando

sua fé desfilando no salão da vida novamente

sua mãe brigando no sonho

o medo da chuva indo embora

a casa voltando a ficar limpa

as coisas se ajeitando

que morra teu luto!

agora é vida outra vez na tua casa

viva o menino!

viva o forró do Bairro São João

viva tuas tranças de cobras

 viva a mulher 

viva a barriguda!




segunda-feira, 25 de março de 2024

mulher borboleta

Foram maré cheias os teus olhos nos meus

por um tempo que passava torturante e devagar.

Foi rápido como tudo virou um grande temporal 

que inundou a praia de boas sensações que tua presença me causava. 

Eu não te alcanço na roda

Tu não me alcança na despedida

Sem ginga 

sem química

prometeste uma amizade que nunca chegou de fato com honestidade.

Achei por alguns dias que se construiria sim

Que seria possível e talvez bonita

Que eu seria querida como as outras meninas

Esperei alegre e atenta

Mas me desencantei rápido 

e com algumas velas e preces 

me alcancei novamente

Eu nadei na maré cheia

pra bem longe de ti e teu jeito estranho de me atacar

de querer ser serpente

Dentro do axé de todo o barracão, 

vejo morar em ti uma triste sereia 

a procura de um brilho

que tu de forma muito secreta sabes que eu tenho guardado

uma sereia que não quer saber brincar comigo

que canta, 

encanta, 

mas ainda não sabe falar sem tentar me afogar

Entre berimbaus e tambores

me desenvolvo fora dali 

e me fortaleço

e me lembro dos meus porquês 

e da minha ida e chegada

da minha permanência 

porque nunca foi sobre você

porque nunca foi sobre afeto

porque nunca será sobre ti

e o sexo foi um grande erro

que quase me deixou desarmada por um tempo

mas eu sei girar 

sei atravessar além do risco da pemba 

posso parecer iniciante

mas sou forte e muito bem encontrada

jamais derrubarás uma mulher búfalo

jamais impedirá uma mulher borboleta

respeite uma filha do vento 

É rápido como tudo desvira depois da ventania

terça-feira, 23 de janeiro de 2024

Castanho avermelhado

 

                                                                                                           


Nunca mais bebi o redgin, a bebida vermelha bonita que a gente pedia para beber juntas. Quando eu engolia o mar vermelho,  me trazia a sensação de que eu estava rica, quando eu tomava do seu lado, tinha a sensação de que você me sentia. Eu chupava com o canudinho preto ouvindo você me contar do seu emprego de merda no hospital, ficando bêbada lentamente ao som daquelas músicas fracassadas, de balada hétero, no único bar da cidade que tinha o pôr do sol alaranjado perfeito, o qual combinava muito bem com o tom do seu cabelo castanho avermelhado. 

O drink era tão vermelho e tão bem feito que dava gosto de beber. Tinha gyn, hibisco, hortelã, pimenta rosa, anis estrelado, alecrim e morango. A gente tomou pesquisando pelo celular os ingredientes e observando o que tinha naquele mar vermelho dentro do copo. Tirávamos sarro do péssimo atendimento do bar. Quase todos são assim nessa cidade sem costume. A bebida vermelha tinha um preço um pouco salgado, e as pessoas do bar eram todas feias na nossa opinião afrontosa. Tirando, claro, uma loira sarada que passou pela nossa mesa arrancando gaitadas bissexuais maliciosas do nosso lado feminino mais cretino. Bebíamos o redgin e eu te contava algo sobre como eu tinha dificuldade de cobrar um preço mais caro para uma cliente médica. 

Não mais que de repente nossos redgin's acabavam e estávamos comendo os morangos da borda do copo de forma deselegante, porque já estávamos possuídas pelo efeito mágico do drink. Começávamos a dar risadas altas e dizer que éramos mulheres poderosas. Levantávamos pra dançar perto do Dj, balançando nossos cabelos para os lados. E ao dançarmos, na minha cabeça era como se fôssemos bruxas ao redor de uma fogueira e tivéssemos magia nos movimentos que quebravam tudo quanto era tipo de energia ruim que toda a nossa cidade pequena, cheia de futilidades e falatórios possui. Seu olhar nesse momento era fixo e admirado para mim, eu sentia que eu te surpreendia e você me aceitava como eu era. E minha autenticidade se conectava com a sua, e minha coragem, atenção e astúcia se conectava com a sua alma. Algo muito verdadeiro e além nos conectava.

Nunca mais eu encontrei um lugar na cidade que fizesse um redgin tão perfeito. Outro dia sonhei que você aparecia na minha frente, numa mesa do Bar do Assis, um bar comum e sem drinks apresentáveis, vive muito lotado, e fica em frente ao local que hoje jogo capoeira. Acho que você jamais ia gostar de ir lá na vida real, mas no sonho você ia e vinha até minha mesa, com meu novo grupo de amigos. Eu me sentia bem com sua presença, e meu peito batia forte ao ver novamente o brilho do tom do seu cabelo castanho avermelhado. Mas, de repente havia um sentimento estranho no peito, era medo. E eu te retirava dali e ia conversar sobre as novidades da minha vida, depois que você saiu dela, ali na frente da calçada do colégio Jorge Amado. 

Sempre me senti acolhida e ouvida na tua presença, e no sonho isso se mantinha de forma muito segura e intima. Ao mesmo tempo, no sonho, também havia uma vergonha de nos verem juntas, por conta das coisas que você fez questão de defender durante a eleição. Quando eu te retirava do bar no sonho, ficava bem claro para mim, que eu também queria te proteger do que as pessoas que estavam na mesa poderiam pensar das suas falas e bandeiras. Era como se eu quisesse te esconder ou te aproveitar de forma mais íntima, na calçada da escola, lugar de sabedoria. Nosso rompimento aconteceu de forma rápida, assim como a nossa aproximação e intensidade em ser amigas. É estranho, e ao mesmo tempo também é aceitável que a gente tenha se separado... Mas eu não consigo te entender, e ao mesmo tempo eu confio no meu gostar de você e vice versa. Foi a sua visão neoliberal da vida e o meu progressismo que realmente não permitem mais que a nossa conexão se mantenha e sustente. Sentíamos sede no sonho, não bebemos redgin.

Quando eu acordei do sonho, eu me dei conta de que eu nunca mais encontrei uma amiga como você. Me dei conta de que eu tentei te encontrar em outras amizades que foram acontecendo depois do nosso silêncio repentino. Os meses se passaram com uma saudade escondida e reprimida. E eu tentei encontrar o barulho da sua risada e o seu olhar em novas conexões que tinham tudo a ver comigo, mas é como se ninguém soubesse fazer comentários como você fazia. É como se ninguém soubesse escolher a música no carro, como você escolhia. É como se ninguém tivesse o mesmo senso de humor que você possuía para me entender, é como se ninguém até hoje soubesse me dar a medida exata de atenção, e nem soubesse me marcar em memes como você. Ninguém tem a mesma alegria que você para me dar bons conselhos, num simples áudio ou ligação, ninguém é esperta o suficiente. Acho que ninguém jamais vai te substituir.

Não sinto vontade que esse tempo volte, mas acho que eu queria ter te visto no lançamento do meu livro de poesias. Lembro que compartilhei sobre ele várias vezes com você, quando ainda era uma ideia, e não imaginei que quando o lançamento chegasse não seríamos mais amigas. Nem que o nosso grupo de amigas estaria desfeito e as outras meninas teriam passado nos concursos que queriam e teriam mudado de cidade. Todo mundo foi embora e só ficou eu e você nessa cidade interiorana, porém é como se houvesse um mar vermelho inteiro no meio de nós duas. E tantas coisas boas e surpreendentes aconteceram comigo, me modificaram e tantas coisas mágicas foram explicadas, de conversas profundas que tivemos, depois que nos separamos de forma elegante e respeitosa... Eu sinto sua falta, mas não sinto vontade que o tempo volte porque nós duas estávamos tão derrotadas aquela época...

Consigo ver como engatinhávamos num processo de reconexão com a vida e com a gente mesma. Como havia alguma coisa muito dolorosa nas esquinas da cidade, alguma coisa muito ansiosa e depressiva pelos ares, e de alguma maneira muito doida e mágica o nosso encontro e conexão nos impulsionou de alguma forma a sairmos disso tudo, e nos reconstruirmos com mais potencia feminina. E de "amiga, nem te conto", "amiga, tá ai?" e "amiga, tu não existe!" conseguimos chegar a uma fortaleza que permaneceu até hoje, mesmo que nada mais exista como antes. As vezes eu me pergunto: O que nos ligava tanto se acreditávamos em coisas diferentes? 

Tenho uma teoria de que talvez o que nos ligou foi fato de que pessoas importantes se afastaram de nós, sonhos que tínhamos estavam engavetados, tomávamos remédios que não estavam mais funcionando, ou porque eu tinha muita dificuldade de me alimentar e você de controlar seu peso. Eu gostava do nosso pacto de "skini bitch", de sempre usar batom vermelho de noite quando saíssemos e de não parar de frequentar a academia e malhar para sermos duas safadas nojentas. Estávamos vulneráveis, reaprendendo a sair a noite de casa, a usar algo brilhoso, a nos desconectar do processo estressante pós pandemia, estávamos reaprendendo a sair e viver, a construir novos sonhos.

Outro dia por acaso, soube que você foi mandada embora do emprego de merda do hospital. Ainda me lembro da sua felicidade quando eu fui lá te entregar um chocolate uma vez. Algumas coisas também se encerraram para mim. Fiquei confusa se te mandava uma mensagem, era um emprego ruim, mas você era esforçada, não mandei a mensagem. Depois alguém me disse por acaso, que você estava dando aulas de inglês e espanhol e que você passou em medicina, e eu fiquei absurdamente feliz por você. Porque eu me lembro que era seu sonho mais distante trabalhar e estudar o que você realmente gostava e tirava de letra. Eu confesso que não imaginei que você conseguiria tão rápido, mas sempre te disse que combinava com você e que você ia conseguir, e eu brincava que era só você começar a fazer um hoponopono mágico da Bete Russo que você conseguiria. Você fez? 

Fiquei tão orgulhosa quando soube, e dessa vez te mandei mensagem e fui respondida de forma educada e respeitosa, você terminou a mensagem com "Deus te abençoe em dobro", e eu sinto que foi muito sincero. Não me lembro quem foi que soltou no ar, mas alguém também comentou que você estava namorando um homem agora. Lembro-me da gente bêbada pagando uma conta no Bar Sabonete e se despedindo daquela turma, você deixando sua ficante premium no bar, e pedindo o carro emprestado daquela nossa outra amiga, só para me deixar em casa e tirar uma soneca comigo. Queríamos descansar para ter energia para ir na quadrilha do Parque Cimba mais tarde. Estávamos realmente num processo de exaustão rápida, ficávamos exaustas rápido. A gente foi o caminho todo comentando como a cidade fica fantasma em Junho e o trânsito ao nosso favor. Por algum milagre, a rádio começou a tocar uma música que não era sertaneja e festejamos e começamos a cantar na maior altura juntas. 

Você ficou bonita segurando o volante, é intensa como eu, e laranjada atrás do filtro das lentes do meu par de óculos escuros. E quando o sinal ficou vermelho, você me roubou um beijo violento do nada e eu retribui para não ser deselegante. Você é assim, imprevisível, divertida, bem humorada. Aquele ano você ficou com duas meninas muito interessantes da cidade, e mesmo quando elas demonstravam algum tipo de interesse mínimo por mim quando estavam um pouco alcoolizadas, eu fingia nem perceber e dizia que era coisa da sua cabeça, que você era altamente interessante. Eu gostava de te ver de batom vermelho sorrindo comigo, eu gostava de sentir e ver a gente dançando no mesmo ritmo, do seu drama nas conquistas, de ver sua autoestima voltando. 

Aquele ano nos empurrou para nos conectarmos de verdade e virarmos o dia fazendo nossas coisas, costurando nossas curas, entre uma conversa e outra pelo celular. Era gostosa a sensação de ter como amiga, de poder ir até você quando eu precisava ou ser procurada por você quando eu menos esperava. Era engraçado você dizer que sua mãe gostava de mim, que ela não costumava gostar de ninguém. Ainda é com afeto que me lembro de você jogando truco com a minha família naquele feriado. Havia uma luz nos seus áudios engraçados, nas fotos de toalha que me mandava, dos looks, desabafos... era como se em você vivesse um pouquinho de cada prima que tive carinho durante minha infância. E eu adorava como você sempre entendia o que eu dizia, e me fazia pensar mais com seus feedbacks. 

Sabe, era só com você que tinha graça beber o redgin, era só naquele bar específico. E tudo que ainda é vermelho me lembra um pouco você. As vezes fica martelando na minha cabeça algo que você me disse uma vez... sobre o tom do vermelho no seu cabelo não combinar mais com sua paleta de cores e a fase que você queria construir. Me parece que aquele bar fechou, pouco tempo depois que rompemos nossa amizade naquela eleição. Por algum motivo estranho eu chorei quando cheguei em casa depois dessa notícia. Acho que isso deixou uma metáfora nostálgica no ar e na minha cabeça, sobre como a nossa amizade naquele ano, nos entorpeceu e encantou, nos alegrou e construiu algo novo dentro de nós para o futuro, e me parece também que nossa amizade era um pouquinho de cada ingrediente daquele redgin, o qual tomamos cada gole apreciando o gosto, mas talvez, tenhamos esquecido de brindar, e isso deve ter dado azar. O mar vermelho se fechou e você ficou de um lado e eu de outro... quem sabe um dia ele se abra de novo para um novo encontro.

quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

Pétalas


Como teria sido se ela tivesse reagido ao meu storie aquele dia? Se tivesse deixado aquela mensagem de lado e tivesse ido ao meu aniversário? E se ela tivesse dito que estava errada? O que teria acontecido se ela tivesse dito que se arrependeu do que propôs, se tivesse admitido que gostou e que queria experimentar mais e mais? Como teria sido se ela não tivesse dado tanta importância para a própria ferida, para o passado, e se tivesse dito que chegou bem em casa e se tivesse deixado eu afogar suas mágoas e fazê-la ver poesia na rotina? Como seria se ela tivesse topado que eu a visitasse aquela noite apenas para vê-la trabalhar e acariciar sua gata? E se eu tivesse invadido sua casa naquela outra noite de vinhos nos seus vizinhos e tivesse tirado ela do próprio quarto pra dançar? Como ela reagiria? O que teria feito? Como teria sido se eu não tivesse medo de chegar, nem traumas para arriscar? E eu tivesse lhe mostrado o que escrevi, e tivesse tentado ser romântica do jeito que eu gosto? Como poderia ter sido se eu tivesse lhe emprestado um livro primeiro, se eu tivesse apenas dormido aquela vez? Ou se eu tivesse enviado uma foto sensual do nada? Qual teria sido sua reação? Como teria sido se ela não tivesse saído daquele grupo de amigas, e tivéssemos conseguido criar uma amizade legal como criei com as demais meninas? E se tivéssemos tido assunto, tivéssemos ido beber juntas, e não falássemos de ex’s? Como teria sido?! Como teria sido se tivéssemos enfrentado o medo de se apaixonar e tivéssemos tido coragem para criar boas memórias juntas sabendo que não somos verdadeiramente o grande amor uma da vida da outra? Como poderia ter sido se eu sempre tivesse chegado lhe dando beijos e abraços de entrada e despedida? Se tivesse tido oportunidade de lhe dar uma rosa, além do girassol, se meu cheiro te atiçasse e trouxesse pra mais perto de mim? Ah… como teria sido se tu sentisse vontade de novo de me dar beijos intermináveis? Como teria sido se eu ainda sentisse atração quando chegasse perto da tua alma? Se não fosse assim tão vazia como parece ser agora… Tão confusa como parece ser agora... Tão amargurada, pessimista, irritada. E se tu tivesse me feito feliz por mais tempo? E se juntas tivéssemos ajudado a construir nossa cura? Como teria sido se nossas diferenças não fossem o principal? Se nossas semelhanças tivessem tido chance de se encontrar? E se nossos destinos não fossem tão distantes e desencontrados…